sexta-feira, 16 de março de 2018

A Luz Sobre as Trevas (Allison Pataki e Owen Pataki)

Vivem-se tempos conturbados em França. A revolução, que começou como uma defesa de ideais mais elevados, tem vindo a assumir contornos mais sangrentos e a dura verdade é que ninguém está seguro. Principalmente se tiver uma gota de sangue nobre a correr-lhe nas veias, como é o caso de André Valière, capitão do exército da República. Filho de um nobre que morreu na guilhotina, André sabe que só mantendo-se acima de toda a censura poderá manter-se vivo, principalmente porque, ainda que não conheça os motivos, tem um inimigo poderoso de olhos postos em si. Entretanto, Jean-Luc St. Clair, jovem advogado idealista, mudou-se também para Paris com a família para servir a revolução, mas tem vindo a descobrir que as coisas não são tão simples como julgava. E, em pleno Terror, com a guilhotina a ceifar demasiadas vidas e inimigos ocultos à espreita ao virar de cada esquina, os caminhos de André e Jean-Luc terão inevitavelmente de se cruzar para travar uma batalha mais íntima, mais igualmente letal, pelas suas vidas.
Situado num contexto histórico complexo e de tão vastas e intrincadas intrigas que, por vezes, parece difícil acompanhar todas as mudanças, uma das primeiras coisas a cativar para este livro é o equilíbrio entre o desenvolvimento deste contexto delicado e o foco num percurso individual que, apesar de intimamente ligado aos acontecimentos do mundo em volta, segue uma linha mais íntima e pessoal. Ora, isto tem duas vantagens. Primeiro, ao acompanhar a perspectiva individual dos protagonistas, torna-se mais fácil assimilar o contexto mais vasto. E segundo, sendo este caminho tão árduo e cheio de perigos e mágoas, o impacto emocional é algo de profundamente intenso.
Ora este impacto, que é precisamente o que torna a leitura tão memorável, deriva também de dois factores: as personagens e as suas circunstâncias. Claro que estão interligadas, mas é o desenvolvimento equilibrado de ambas que torna tudo tão marcante. André e Jean-Luc são personagens fascinantes. Fortes, sim, ou não conseguiriam fazer o seu caminho, mas também de um idealismo comovente e de uma tal vulnerabilidade, em certos aspectos, que é quase impossível não sentir com eles as dificuldades, os dilemas, as provações, o medo. São heróis, cada um à sua maneira, mas heróis humanos e falíveis. E a forma como o seu percurso se traça sobre a ténue linha que separa a esperança do desespero dá forma a alguns momentos simplesmente devastadores.
Claro que, para haver heróis, é preciso que haja vilões e, num cenário tão mutável como a Revolução Francesa, o herói de hoje pode muito bem ser o vilão de amanhã. Mas os caminhos individuais de André e Jean-Luc tornam-se também marcantes pela força dos seus antagonistas, que, não sendo propriamente moralmente ambíguos, têm, ainda assim, na unicidade das suas motivações, algo de estranhamente perturbador e que contrasta fortemente com as posições dos seus adversários. André e Jean-Luc são, em certa medida, o oposto de Murat e Lazare - e este grande confronto de opostos é o que dá alma aos momentos de perigo e de intriga (e, sim, de desespero) e força ao longo percurso desta história.
No fim, fica uma estranha saudade destas personagens, tão marcantes pelos seus valores como pelas suas vulnerabilidades. E a impressão de uma viagem longa e difícil, mas escrita com uma tal fluidez e com um tão grande impacto emocional, que é quase como ter estado lado a lado com André e Jean-Luc - na batalha, nas masmorras, na multidão. Como ter vivido um bocadinho com eles. É isto, afinal, que torna tão marcante esta leitura. E é mais do que suficiente para merecer recomendação. Muito, muito bom. 

Autores: Allison Pataki e Owen Pataki
Origem: Recebido para crítica

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