sábado, 5 de julho de 2014

Angola - As Ricas-Donas (Isabel Valadão)

Assente principalmente nos lucros do tráfico de escravos, Loanda é, naquele tempo, um lugar de prosperidade, mas também de conflitos. De relações instáveis, quer com a Metrópole, quer com um Brasil perto da independência, muitas das conquistas e sucessos dos seus habitantes resultam de influências e de um poder conquistado pela fortuna. E assim será também para as mulheres que, donas de grande fortuna e de maior influência, são conhecidas como ricas-donas. E, de entre elas, Dona Anna Joaquina dos Santos e Silva, vivendo em tempos de mudança e prosperando sempre, independentemente das novas dificuldades.
Tendo como figura central uma mulher influente e como tema o contexto em que se move e os sucessos que alcança, este é um livro em que há toda uma base histórica para assimilar. Assim, e sendo vasta a informação a transmitir, é inevitável uma considerável componente descritiva, já que, além dos cenários onde tudo decorrer, é necessário caracterizar também o contexto de uma época em que as mudanças são quase constantes. Disto resulta, portanto, um enredo de ritmo pausado, em que é a informação que, a princípio, predomina e que, por isso, cria uma impressão inicial de alguma distância.
Esta distância vai-se desvanecendo à medida que as personagens se tornam familiares, ainda que, dado o âmbito dos acontecimentos, nunca se apague completamente. Para esta maior proximidade contribuem dois aspectos. Primeiro, a força de carácter de Anna, que se revela gradualmente, à medida que as adversidades vão surgindo. E, depois, a voz que narra a história e que tem, ela própria, uma história. Eufrozina, a escrava que se tornou companheira, apresenta para os acontecimentos uma perspectiva diferente, já que, ao ser uma escrava a narrar uma história em que a questão dominante é o tráfico de escravos, levantam-se algumas questões especialmente pertinentes, que se tornam ainda mais relevantes tendo em conta o final.
O que acaba por acontecer é que a história se vai tornando gradualmente mais envolvente, à medida que a relação entre o desenvolvimento do contexto histórico e o percurso das figuras centrais se torna mais equilibrada. O ritmo nunca deixa de ser pausado, mas a fluidez da escrita, associada a um conjunto de personagens que, aos poucos, revelam o que têm de melhor, tornam mais interessante uma leitura que mesmo só pela base histórica já valeria a pena.
A soma de tudo isto é uma boa história, vastíssima em informação sobre o contexto da época em que decorre e interessante na forma como caracteriza a vida das suas personagens, em sintonia com o tempo em que viveram. Uma boa leitura, portanto.

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