quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Histórias da Areia (Isabelle Eberhardt)

Histórias da areia, de um lugar diferente, mas que se torna familiar pelas palavras da autora. Histórias individuais, que se confundem com a da própria autora - história essa que, explicada na apresentação, permite compreender melhor certos aspectos dos contos - e que se definem pelo cenário comum, pela vaga melancolia que parece transbordar das palavras e por uma escrita que, ora directa, ora introspectiva, cativa por uma beleza marcante.
De crime e condenação, rivalidade e vingança, se define Amara o Forçado, história de um homem que regressa à sua terra. Muito breve e pessoal, é uma entrada certeira nas diferenças que caracterizam a mentalidade do protagonista. A Zaúia, história que se segue, fala de amada e amado, na simples arte de viver. Trata-se de um conto introspectivo, belíssimo nas palavras que lhe dão forma, e que parece vir quase de um mundo diferente, mas muito fácil de imaginar.
Taalith conta, de uma forma breve, mas muito bela, a clássica história de um amor perdido e de um casamento forçado, num registo que em muito se assemelha ao contar de uma história em voz alta, com uma bela harmonia de ritmo e palavra. E o mesmo tema surge em Legionário, mas de forma mais desenvolvida e com diferentes razões para a separação. Mais extenso, é também um conto mais pausado, demorando-se no percurso da vida do protagonista, mas é, apesar disso, também muito cativante, e com um especialmente marcante toque de melancolia.
Luto mostra o abandono de um amor na partida para a guerra, num conto aparentemente distante e um pouco vago, mas que repõe no final toda a emoção que faltava. Já em O Vagabundo, a história é a de um homem errante que se detém no refúgio de um amor temporário. Também vago, mas transbordante de melancolia, tem algo de poético que se grava na memória.
E são os sonhos febris do Vagabundo a base de O Paraíso das Águas. Um pouco confuso, reflecte bem as oscilações entre delírio e lucidez, com palavras que moldam com mestria as imagens do sonho e do real, num conto estranho, mas envolvente.
Muito breve, mas intrigante, A Mão apresenta uma viagem nocturna e uma visão perturbadora, numa curta história que se conclui de forma impressionante e inesperada. Já Ume Zahar, história da morte de uma mãe e do que se segue, retoma o registo pausado e algo ambíguo, deixando tantas perguntas como respostas quanto à vida a protagonista. Sobressai, apesar disso, o mistério e a fluidez das palavras.
Segue-se o mais impressionante dos contos deste livros. Em Tessaadith, um casamento forçado, a tomada de um amante e a impotência perante o poder - principalmente quando corrupto - servem de base a um conto envolvente, com vários momentos emotivos e perturbadores, escrito de forma belíssima e com um final impressionante.
De como a amizade pode surgir sem olhar a origens fala O Amigo. Contada em fragmentos da ligação entre as personagens, a história parece, inicialmente, algo distante. Talvez por isso mesmo o impacto do final seja tão forte.
M'turni, história de uma conversão, é também um conto pausado e um pouco distante, mas que cativa pela beleza com que reflecte a aparente simplicidade que define as mudanças. E também O Anarquista é uma história de mudança e de pertença, e começa com a mesma impressão de distância, ainda que compensada pela beleza da escrita e pelo final surpreendente.
Por último, O Meddah fala de um homem respeitado, mas em solidão. Pausado, mas muito impressionante na voz que dá ao percurso de vida do protagonista, acaba por ser uma conclusão memorável para este livro.
Da soma de tudo isto, a impressão que fica é a de um conjunto com alguns contos memoráveis e nenhum menos que bom. De uma escrita impressionante, de histórias envolventes e marcantes - e de um livro que vale bem a pena ler. Muito bom.

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