sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Esperança (Albertina Fernandes)

Nascida e criada num meio rural, Rosa viveu as mesmas experiências de muitas raparigas do seu tempo. Mas havia na sua família uma serenidade e uma harmonia invulgares - e uma ligação as artes. Todos os seus irmãos eram talentosos, e também ela o era, mas enquanto os outros partiam em busca de um caminho para voar, Rosa apegava-se à vida familiar e ia ficando. Consigo, tinha a paixão pela escrita, um certo amor à tranquilidade e as marcas de algumas experiências. Mas seria o suficiente? Agora, recordando a sua história, Rosa percorre memórias e emoções, num romance que é quase um diário e a narradora é também protagonista.
Narrado na primeira pessoa e num registo bastante introspectivo, este é um livro em que as reflexões e o acto de recordar têm um papel tão importante como os acontecimentos propriamente ditos. Enquanto narradora e mulher que recorda, Rosa analisa muitos dos acontecimentos e sentimentos do passado. Isto confere à narrativa um ritmo relativamente, já que as considerações são abundantes. E se, por vezes, esta introspecção se torna demasiado longa, mais centrada nas ideias que na história, também é verdade que muitos dos pensamentos são interessantes e que há, inclusive, alguns trechos particularmente marcantes.
Este é um livro bastante breve, pelo que essa dispersão em pensamentos acaba por retirar, por vezes, o destaque à história. Mas a história está lá e, ainda que alguns aspectos pareçam explorados de forma um pouco apressada (seria interessante saber mais sobre a vida de Cecília, por exemplo, ou dos irmãos de Rosa), outros há em que a abordagem ambígua resulta particularmente bem, como é o caso da relação da protagonista com o seu "cientista".
A nível de escrita, o tom divagativo e introspectivo é bastante agradável, pontuado com alguns laivos de poesia, e a narração é, na globalidade, bastante cativante. O recurso a citações parece, por vezes, um pouco exagerado, até porque a autora expressa bem as suas ideias pelas próprias palavras, mas, por outro lado, essas citações fazem sentido no contexto da história e a perspectiva da protagonista complementa-as.
Breve e cativante, com uma protagonista que se revela no seu mais íntimo e uma história interessante, mesmo nas suas ambiguidades, eis, em suma, um livro agradável e envolvente, com um bom enredo e algumas reflexões muito bem conseguidas. Gostei.

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