domingo, 19 de maio de 2013

Betânia (Filomena Marona Beja)

Marta cresceu sob a sombra da ditadura. Em casa, a tia defendia opiniões subversivas, que o pai contrariava, sem deixar de a proteger. Dela, esperava-se que continuasse a estudar, mas em Medicina, segundo a vontade do pai. E o seu coração prendia-se a um jovem que era tudo menos o que esperava. Crescendo, Marta escolhia um caminho diferente, e, adulta, depara-se com o quebrar das últimas ilusões. Do rapaz que amou, resta um homem que se tenta impor e que é o contrário de tudo aquilo em que acredita. O mentor está prestes a partir. E, dos elos de maior proximidade, alguns tiveram de fugir para um lugar melhor. Por vezes, Marta pensa nas lições das Irmãs, e nas histórias sobre as mulheres de Betânia, mas sabe que não quer ser como elas.
Contada através de pequenos fragmentos e com uma linha temporal que se define entre avanços e recuos (tal como a memória), esta história evoca, a princípio, uma certa estranheza. A jovem e a adulta, e por vezes até a criança que ouve as lições, confundem-se, o mesmo acontecendo com o tempo preciso em que certas situações decorrem. Ainda assim, esta confusão rapidamente se atenua, uma vez assimiladas as principais peculiaridades da narração.
Passada essa estranheza, a história torna-se muito interessante. Marta, enquanto protagonista, é uma figura forte, condicionada, é certo, pelas normas do seu tempo, mas capaz de as questionar e de tomar as suas próprias decisões, e a forma como lida com as situações mais complicadas é, muitas vezes, marcante. Mas é, também, uma mulher vulnerável, humana na sua intimidade, e as suas fragilidades tornam-na alguém com quem é fácil criar laços. Também os que a rodeiam têm traços de carácter que os definem e, por razões boas ou más, todos ficam, de alguma forma, na memória.
A escrita é, no essencial, bastante simples, centrada nos acontecimentos e sem grandes divagações. Surpreende, por isso, como, num tom tão directo, a autora consegue transmitir tão bem as complexidades das histórias pessoais das suas personagens e também do contexto. Além da história individual da protagonista, há a história de uma época, e ainda as ligações a outros passados: o da Fidalga, em cuja breve história é possível não reconhecer paralelismos, e a das mulheres de Betânia, que tanto condiciona, por vezes, as escolhas de Marta.
Nem tudo é resolvido e encerrado nesta história. Há decisões finais e partidas determinantes, mas fica, mesmo assim, a impressão de que a história das personagens continua. Deste final algo ambíguo fica, por um lado, a curiosidade em saber mais, mas, por outro, a sensação de que a narração é interrompida no momento adequado, deixando ao leitor a escolha de imaginar o futuro depois da decisão. Também isso acaba por fazer com que a leitura fique na memória, pois esse questionar sobre o futuro acaba por ser quase inevitável.
História de uma mulher que poderia ser muitas outras, Betânia é, pois, uma leitura envolvente, com alguns momentos de estranheza, mas também rica em situações marcantes e com personagens tão complexas como a época em que se movem. Um bom livro, em suma.

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