sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Chicago (Alaa Al Aswany)

Para um grupo de egípcios que deixou o seu país em busca de maior conhecimento e de uma vida melhor, Chicago é, agora, o centro das suas vidas. Todos tiveram um bom motivo para partir, fosse ele político ou pessoal. Esta é a história das suas vidas, na descoberta do sonho americano... e da realidade. De como descobrem as suas próprias naturezas, para além das imposições culturais. Dos que partiram para fugir à miséria ou à opressão, e dos que se arrependeram da sua fuga. Dos que renegaram a própria identidade para que pudessem pertencer plenamente ao seu novo mundo. Daqueles, ainda, que desejam mudar o seu país de origem, e dos que pretendem perpetuar o seu sistema. Esta é a história, pois, de diferentes vidas que se cruzam num mesmo ambiente, para dar forma a um retrato que é mais de um choque de culturas que da cidade onde este ocorre.
Ainda que a cidade de Chicago seja o cenário central desta narrativa, este é um livro que vive mais das personagens que do ambiente. É certo que há diferenças que se evidenciam a nível de cenários, mas a comparação entre a vida no Egipto e a vida em Chicago prende-se mais com os aspectos mais extremos a nível das diferenças culturais e é isso, mais que uma verdadeira caracterização dos lugares, o que mais sobressai neste aspecto.
Já a nível de personagens, a caracterização é bastante mais complexa, servindo de base para a abordagem de vários temas relevantes. As diferenças culturais são, desde logo, o ponto que mais se evidencia, bem como os preconceitos raciais associados a essas diferenças. Este tópico em particular surge de forma particularmente clara na figura do professor egípcio que, na sua obsessão em adoptar o estilo de vida americano, passa a desprezar os seus próprios compatriotas. Mas há ainda outros aspectos, tendo ainda como base o preconceito: aos comportamentos racistas de várias personagens junta-se a visão algo extrema (de algumas personagens) do papel da mulher no mundo e do que lhe pode ser exigido, realçado pelo contraste entre os comportamentos mais censuráveis e os pequenos actos de coragem, que reflectem, em suma, o bom e o mau das circunstâncias. Além disso, surge também o retrato de um sistema de governo dominado, em grande medida, pelas influências e pelo autoritarismo, servindo de base a uma impressionante visão das dificuldades dos que lhe opõem resistência. 
Apesar da relevância global destes temas, é o seu efeito na história individual das personagens que estes sobressaem. Nas realizações e nos fracassos, na forma como algumas personagens põem fim ao que as destruía enquanto outras se satisfazem com a remoção de um obstáculo, para que possam regressar à normalidade possível, na forma como os actos cobardes encontram um castigo, mas o mesmo acontece com os gestos valorosos, e na ambiguidade das realizações e tragédias pessoais que poderão seguir, o percurso destas personagens não é um que caminhe para um culminar em que tudo fique bem ou em que a tragédia se agigante, mas antes uma parte de vida em que elementos essenciais mudam, mas em que algo fica por acontecer. A conclusão é, portanto, absoluta para algumas personagens, enquanto que o destino de outras fica em aberto. Nestas, fica a curiosidade em saber mais sobre o seu futuro, mas também a sensação de que, nas circunstâncias em que a sua história é deixada, a ambiguidade é o final mais adequado.
Complexo nos temas que aborda, fluído na escrita e cativante na forma como o melhor e o pior de diferentes personagens se conjuga para formar uma história envolvente e feita de momentos marcantes, este é um livro que surpreende por ser, ao mesmo tempo, uma leitura viciante e uma obra com muito sobre que reflectir. Muito bom.

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