segunda-feira, 7 de maio de 2012

Todos os Dias são Meus (Ana Saragoça)

Uma mulher morta no elevador leva a que todos os habitantes do prédio sejam questionados pela polícia. Mas, mais que o mistério de quem terá sido o assassino, esta é a história dos pequenos mistérios na vida de cada um dos interrogados e na personalidade por detrás da reserva quase tímida da mulher agora morta. Do que são e de como vêem o mundo à sua volta, daqueles de quem gostam e dos que odeiam, dos pequenos grandes preconceitos de cada um deles. É uma história breve, mas completa, e em cada personagem há algo com que simpatizar - ou que odiar.
A nível de enredo, há dois elementos que se distinguem ao longo da leitura: caracterização das personagens, com ênfase nos seus pontos de vista acerca do mundo em redor, e o mistério da mulher morta no elevador. São dois elementos que se relacionam intimamente e que, por vezes, se confundem, para culminar num final particularmente surpreendente. Ao alternar entre os capítulos dedicados aos vizinhos (e respectivas relações) e aos narrados do ponto de vista da vítima, cria-se, por um lado, uma visão da morta que é completamente diferente da que é referida pelos que viviam no mesmo prédio, e, por outro, um retrato bastante completo dos tipos de personalidade e dos preconceitos e atitudes que caracterizam uma relativa convivência em comunidade. Da história da vítima, marca o lado introspectivo, quase melancólico e a forma como a solidão do seu percurso evolui num rumo completamente inesperado. Das restantes personagens, marca a diversidade de atitudes e, em consequência, os diferentes sentimentos que evocam, desde uma certa empatia a uma quase revolta, criando um retrato bastante preciso de muitos aspectos mais negativos nas interacções entre os vizinhos - e também de alguns mais positivos.
Também na escrita há algo que se destaca. Tratando-se de uma história tão breve, onde fica, por vezes, a curiosidade em saber um pouco mais acerca das personagens apresentadas, há toda uma diversidade de formas de expressão, correspondentes às diferentes personagens. E estas mudanças de tom, evidentes não só na diferença entre o discurso da vítima e o dos vizinhos, mas também entre os vários vizinhos, ocorrem com fluidez e sem quebrar, de forma alguma, o ritmo da narrativa. Realça-se, assim, a diferença entre as múltiplas personagens apresentadas e, se as suas histórias são exploradas de forma relativamente breve, também é certo que o discurso utilizado diz muito sobre cada uma delas.
Trata-se, portanto, de uma história breve, mas cativante tanto pelo rumo inesperado dos acontecimentos como pela forma como estes e os que os protagonizam são apresentados ao leitor. Envolvente, surpreendente e com uma escrita que marca pela beleza e pela fluidez, uma boa leitura.

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