quarta-feira, 16 de maio de 2012

A Mulher-Casa (Tânia Ganho)

Mara é uma modista de chapéus, que, com a mudança para Paris, espera conseguir tornar-se um pouco mais conhecida. Thomas, o marido, acaba de se tornar o responsável pelos discursos do Ministro e espera estar no caminho de uma ascensão fulgurante a nível profissional. Ao chegar a Paris, ambos têm sonhos e inúmeros planos de futuro em mente... Mas a realidade sempre foge ao esperado. Enquanto a carreira de Thomas começa a evoluir no sentido esperado, a de Mara começa a decair. A trabalhar em casa e, em simultâneo, a ter de lidar com as dificuldades de ser mãe, com o temperamento subitamente ríspido do marido e com a sensação de estar sozinha num lugar a que não pertence, o sonho começa a dar lugar à desilusão e a uma solitária melancolia. Mas tudo muda quando o seu caminho se cruza com o de um dos cozinheiros. Matthéo atrai-a, pois permite-lhe sentir o que já não encontra na vida familiar. Mas o que pesa mais: a paixão ou a lealdade?
Esta é uma história em que nada é fácil. Nada é perfeito na vida real e a história de Mara e de Thomas representa isso de forma muito completa. Nem nos protagonistas nem nas personagens que os rodeiam há uma só figura que seja a preto e branco, ou sequer em que os valores se destaquem claramente acima dos defeitos. Na verdade, em algumas delas, o que acontece é precisamente o contrário. Todas as personagens têm elementos de empatia e situações que revelam o seu lado detestável e, no centro de tudo isto, Mara e Thomas representam o máximo detalhe desta inevitável ambiguidade de características. Mara é uma mulher sozinha na companhia da família (o que não é tão contraditório como poderá parecer), em luta para se manter fiel a si mesma, mas duvidando dos que a rodeiam, quando não mesmo de si própria, ao ver os sonhos ruir numa realidade aquém das expectativas. É uma mulher com os seus valores e com as suas transgressões, carismática, mas frágil, capaz, mas falível. Na sua história, as semelhanças e as diferenças que tem para com o marido, por vezes terno, por vezes indiferente a tudo excepto a carreira, ocasionalmente incapaz de aceitar um não, criam um claríssimo contraste de personalidades, ao mesmo tempo que criam um retrato complexo tanto da vida familiar como das dificuldades na vida a dois, com todas as suas complexidades e desvios.
A escrita é envolvente, com um equilíbrio muito bem conseguido entre a caracterização das personagens e cenários, o lado introspectivo associado principalmente a Mara e um retrato particularmente preciso das atribulações da vida política, no qual é impossível não ver alguns paralelismos com situações relativamente recentes da nossa realidade. Há, do início ao fim, uma fluidez cativante nas palavras, um ritmo ora directo, ora poético, que cria, principalmente no tal lado introspectivo, algo com que o leitor se pode identificar. Há, em suma, beleza na escrita, tal como a há no enredo.
Esta é, ainda, uma história de amor, mas bem longe do amor romântico e idealizado. Em A Mulher-Casa, os problemas e os obstáculos são tão evidentes como os sonhos e os ideais. Na história de Mara, há tanto de afecto como de melancolia, de impulso como de hesitação. E é esta complexidade de sentimentos e de situações que a faz uma história tão próxima, tão real, que fica na memória bem depois de terminada a leitura. 

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