terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os Últimos Dias de Pôncio Pilatos (Paula de Sousa Lima)

Consumido pela culpa da morte cruel a que entregou um homem justo - culpa que não se atenuou com a passagem dos anos -, Pôncio Pilatos escreve as suas memórias. Sabe que o tempo é escasso. Vê-o no rosto de Cláudia. Mas sabe também que é essa a sua missão. Já, Cláudia, sua esposa, sabe coisas que mais ninguém vê. Tem o dom da premonição. E sabe, por isso, que tem também um destino a cumprir. Cruzam-se, pois, memórias de um passado, de vidas que se ligaram ante a figura do Nazareno, de sombras e de memórias que prevaleceram, num império de intrigas e de perseguidos, onde vive, apesar de tudo, uma mensagem de esperança.
Algo que se destaca desde o início deste livro é o estilo de escrita. Numa forma muito própria, com uma estrutura invulgar e um tom marcado por momentos poéticos, nota-se uma forma de expressão que, a início, exige atenção constante, mas que, assimiladas as suas peculiaridades, se torna fluído no ritmo e belo na forma como dá vida a momentos e sentimentos.
Se a escrita é invulgar, também a estrutura da narrativa o é. Não há uma linha temporal definida desde o início, oscilando entre diferentes momentos na história ao ritmo da memória e da emoção. De Pôncio vemos a sua luta com a narrativa que tem de escrever, mas também as suas memórias da condenação do Nazareno, a sua intensa ligação a Cláudia e, por fim, o caminho dos seus últimos dias. De Cláudia, por sua vez, uma outra visão da sua ligação ao marido, mas também o sentido da sua missão, o seu caminho entre os seguidores do Nazareno, os olhos com que contempla a perseguição e a morte - sabendo de antemão que o que virá tem de suceder. E há ainda uma outra voz que se cruza com a dos dois protagonistas, a de um narrador que ora se distancia, nas referências a um futuro distante, ora se aproxima, quase tocando a mente daqueles cuja história observa.
Trata-se, pois, de um livro que, apesar de relativamente curto, se revela como surpreendentemente complexo. Tanto pela escrita, invulgar, mas de uma beleza impressionante, mas pela forma profunda e emotiva como a autora constrói a narrativa. Muito bom.

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