quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O Pai da Chuva (Lily King)

Desde a infância que Daley Amory vive entre dois mundos. Quando a mãe decide deixar o pai em segredo, Daley sabe que nada será o mesmo e, na sua mente de criança, os grandes afectos confundem-se com uma revolta que não pode ser expressa. Pois, entre a vida social da mãe e um pai com uma vida marcada pelos preconceitos e pelo vício do álcool, os sentimentos confundem-se a cada nova situação. Tudo é condicionado pela postura do pai e há uma linha entre o amor e o ódio, sobre a qual Daley persiste em andar. Mas, com o crescimento, surgem também as dúvidas, e a pergunta inevitável: a quanto se pode (ou deve) renunciar em nome de um amor destrutivo?
Centrado na relação entre pai e filha (mas sem se limitar a esse aspecto) e narrado do ponto de vista da protagonista, este livro revelou-se uma leitura bastante mais complexa e profunda do que, à primeira vista, parecia ser. Há um forte envolvimento emocional, é verdade, mas o contexto e as situações são tudo menos leves e o percurso de Daley na sua relação com a família levanta uma série de questões importantes. Tudo de forma fluída e com uma escrita acessível, mas sem nada de superficial.
A vida de Daley é feita de dilemas e, nas três fases da vida que este livro acompanha, todas as escolhas, todos os grandes sacrifícios, vão inevitavelmente dar ao pai. Enquanto criança, Daley vê-se obrigada a guardar segredos, a suportar um ambiente abertamente hostil na nova família que o pai construiu e a lidar com um temperamento instável, onde pequenos gestos de afecto alternam com atitudes intoleráveis. Mais tarde, e já no caminho de uma vida própria, Daley vê-se obrigada a escolher entre o pai e o futuro que planeou, lutando contra o que sabe ser verdade, numa tentativa de provar que os grandes defeitos do pai não lhe estão na natureza, nas influências. E até depois de alcançada a vida e a liberdade, o passado volta, num último vislumbre, para encerrar memórias de uma vida disfuncional e de difícil solução.
Há, pois, todo um percurso entre a esperança e a (des)ilusão, e uma visão muito pessoal de temas preocupantes. Alcoolismo e violência doméstica são apenas alguns dos temas que se destacam, e o impacto é tão maior pelo contraste entre estes momentos e os que insinuam uma vida familiar quase normal. As dúvidas da vida de Daley são próximas e reais: quanto de dor pode um ser humano suportar? Até que ponto são toleráveis os sacrifícios em nome de um laço de sangue? E também a lição final é clara, ainda que não muito positiva: muitas vezes, as pessoas não mudam. E nem sempre vale a pena lutar por essa ilusão.
Não se trata, portanto, de uma leitura leve. Ainda que não haja grandes complexidades a nível de escrita, há-as a nível emocional e de temática. Uma história triste, mas que apela à reflexão e que, entre os momentos ternos e os dolorosos, não deixa nunca de ser, uma leitura marcante. Muito bom.

Sem comentários:

Enviar um comentário