segunda-feira, 21 de março de 2011

Mary Reilly (Valerie Martin)

Um cavalheiro reservado, mas atento e bondoso. É esta a visão que Mary tem do seu amo, um médico fervorosamente dedicado ao trabalho que realiza no seu laboratório e cuja verdadeira natureza ninguém conhece completamente. Mas há algo de sombrio e de misterioso em Harry Jeckyll e, à medida que a relação de confiança entre este e Mary se torna bem mais profunda que a normalmente estabelecida entre senhor e criada, Mary pressente no seu Amo algo de obscuro e de tormentoso, pressentimento este que se agravará com a admissão de um novo assistente, do estranho e perturbador Edward Hyde.
É por demais conhecida a estranha história do Dr. Jeckyll e do Sr. Hyde. Mas este livro apresenta-a de uma perspectiva bastante diferente, vista pelos olhos de uma criada particularmente dedicada ao seu senhor. E, apesar do ambiente sombrio, da presença quase palpável do impossível e do monstruoso, não é na explicação dos processos de transformação ou nas monstruosidades associadas a Hyde que a autora se demora. É, sim, na dualidade entre bem e mal, bem como na ténue linha que separa estes dois conceitos na massa de um mesmo indivíduo, quando vistos pelo olhar de alguém que, mesmo não compreendendo por completo a situação que a envolve, se torna, pela sua devoção inabalável, a mais próxima e confiável de entre todos os intervenientes.
É na intensidade com que a autora dá voz a Mary, por vezes com uma inocência enternecedora, por vezes com toda a violência do medo, que se revela a grande força deste livro, já que, ao mesmo tempo que, pela sua visão do mundo, Mary é caracterizada como uma figura simultaneamente forte, dedicada e meiga, também a sua visão de Jeckyll o apresenta como uma figura fascinante na sua serena bondade, e tanto mais impressionante pelo contraste com a quase irracional malevolência de Hyde.
Com uma história intensa e envolvente, personagens cativantes e de impressionante força empática e um final de profunda beleza, um livro marcante e que reflecte, no melhor e no pior, a vasta complexidade da natureza humana. Afinal, de médico e de louco, todos temos um pouco.

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